segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Esmola sim

Tão triste e preocupante quanto a situação das pessoas que pedem esmola é a atitude de associações que querem incentivar a população a não dar esmolas, ignorando a situação crítica de miséria dos pedintes.

Mais uma vez se fala em indústria da esmola, argumenta-se que pedintes ganham uma fortuna e que só existem pessoas precisando de ajuda porquem existem aqueles que ajudam. Nada mais falso nem cruel. Será possível que alguém ignora a dificuldade de se conseguir um emprego e viver com um mínimo de dignidade nesse país? Será que mesmo aqueles que tiveram a chance de concluir um curso superior e aprender outros idiomas nunca se viram diante de uma situação de dificuldade financeira ou pelo menos não conhecem alguém que está passando por situação semelhante? Que dizer então do miserável no sentido mais desolador da palavra miséria? Daquele que dorme no chão duro de uma calçada, à mercê da chuva, do vento, do frio ou do calor, que não tem sequer a oportunidade de tomar um banho, nem sonha em vestir roupas decentes e sequer sabe ler e escrever. Como alguém tem a ousadia de usar o termo “indústria da esmola” diante de uma realidade de exclusão social tão gritante quanto a que vivemos?

Ora, todos sabemos que esmola não resolve o problema da miséria. Mas o objetivo da esmola não é esse mesmo, o caráter da esmola é EMERGENCIAL, não custa lembrar que quem tem fome tem pressa, não dá pra esperar o resultado de um política pública até a hora do almoço.

Além dos totalmente miseráveis, as associações vistas na reportagem atacam também aqueles que vendem produtos ou fazem malabarismos nos sinais de trânsito. E veja que esses não estão pedindo, estão tentando, de maneira desesperadora, não ser engolidos pela criminalidade, estão sim fazendo malabarismos para continuar vivendo de maneira honesta, estão fazendo o que podem para abandonar o rótulo de mendigo e conquistar o tão sonhado título de cidadão. Mas esse esforço, ao invés de ser louvado, é quase visto como um atentado à paz social.

Que desejam essas associações que dizem “não comprem nada nem dêem esmolas”? É semelhante a dizer “não alimentem os pombos, eles são uma praga que deve ser extinta”. Pois quem deve ser extinta é a pobreza e não as suas vítimas, os pedintes e trabalhadores.

Essas associações, tão ricas de recursos e idéias, deveriam usar sua criatividade para pensar em soluções reais para os menos favorecidos. Programas voluntários de educação, construção de abrigos, cursos gratuitos de profissionalização e possível colocação em empresas da comunidade. Isso sim será inclusão social e repúdia à falta de trabalho e de oportunidade.

Ignorar o miserável, não dar esmola a quem tem fome, dizer não a um completo desassisitido é um ato de desumanidade. Mais do que isso. É um ato de violência. Portanto, que tais associações não se surpreendam se a reposta a essa violência for mais violência.



Gisela Cesario

sábado, 21 de novembro de 2009

Um chopps, dois pastel e dez PM.

Desde a criação da “lei seca” fomos induzidos ao seguinte raciocínio sintetizador: quem bebe fica bêbado, quem fica bêbado e dirige pode causar acidentes, quem causa acidentes é criminoso, logo quem bebe e dirige é criminoso. Tanto as premissas como a conclusão distorcem a realidade, mais até do que fariam algumas doses de cachaça.
É preciso que se entenda que os acidentes de trânsito não são apenas o resultado da soma de bebida com direção, é necessário também que a adição a esse binômio de um fator fundamental, chamado irresponsabilidade, do contrário, beber deveria ser totalmente proibido, não somente para quem dirige, mas para quem vive, simplesmente porque a bebida seria a justificativa para cometer as maiores atrocidades.
É também um raciocínio torto que acena com a diminuição no número de acidentes em razão da lei seca, obviamente, diminuindo a quantidade de carros na rua (muitos simplesmente deixam de sair) diminui-se a quantidade de acidentes. Pelo menos raciocínio, seria mais fácil proibir o ato de dirigir, teríamos zero acidentes. Fantástico, não?
Vale lembrar ainda que dirigir bêbado sempre foi infração, assim como sempre foi infração dirigir de maneira perigosa, transformar isso em crime é muito diferente.Para se estar ao volante, não basta ter uma habilitação, há de se ter condições físicas e psicológicas, as quais são tão variáveis e individuais que simplesmente não é possível fazer uma lei para cada uma delas. Imagine-se que daqui a pouco haverá blitzes para saber se o sujeito dormiu menos de oitos horas, se ele está muito nervoso ou irritado ou mais preocupado com os problemas pessoais do que deveria, poderemos ter um equipamento para medir sono, nervosismo, uso de outras drogas, medicamentos, tudo que enfim nos leva a falta de condição adequada para dirigir. Ora, inventar testes para os meios enquanto não se pune efetivamente o fim de nada adianta. Ser responsável significa literalmente assumir as conseqüências, pagar sim, mas pelos ERROS e não pela mera possibilidade de erro. O objetivo não é prevenir acidentes? Então que se puna quem de fato os provoca, fazendo a cabível investigação, respeitando o devido processo legal, mas aplicando, de forma efetiva a punição necessária para que o erro não se repita.O que as chamadas BOLS vem fazendo é punir simplesmente, de forma imediata e arbitrária, quem, no conceito do Estado, tem o potencial para provocar acidentes. Para isso, estabeleceu-se uma marca que desrespeita a individualidade, pois determina que todos, todos mesmo, perdem aptidão de discernimento no trânsito após ingestão de determinada quantidade de álcool.
Ou seja, como a justiça não pune quem comete o crime, criou-se uma lei que torna crime a mera possibilidade abstrata de que um crime seja cometido e impinge à polícia o dever de tratar como criminosos todos aqueles que se encontram dentro desse campo de possibilidade, em outras palavras, todo e qualquer cidadão que tomou cerca de três a quatro choppes.
Some-se ao absurdo de tal proibição, o fato de vivermos em uma cidade em que o trânsito é caótico devido principalmente ao descaso das autoridades, que ignoram buracos, necessidades como orientação policial em horário de rush, ampliação de transporte público, criação de vias alternativas. E mais: vivemos também numa cidade em que os índices de criminalidade são altíssimos, leia-se aqui criminalidade real e não a abstrata combatida pela lei seca, mas sim, os milhões de assaltos, seqüestros, estupros e assassinatos bárbaros aos quais estamos sujeitos e ainda mais vulneráveis ainda se estivermos dentro de um veículo. Porém, apesar de não termos número suficiente de policiais para diminuir essa criminalidade, que nos faz reféns em nossos carros de vidros fumê permanentemente fechados, temos policiais suficientes para coibir todos os cidadãos que cometem a crime de beber e dirigir. Não é, no mínimo, incoerente?Será que todos os motoristas do país constituem um número menor ou uma ameaça maior que todos os reais criminosos do país?
Por que cada um de nós ganhou de repente um policial para saber quantos choppes bebeu e não ganhamos um policial para evitar que sejamos assaltados, seqüestrados e assassinados?
Que espécie de utopia é essa que impõe uma atitude sueca a uma realidade tão sul americana quanto a da Bolívia ou Venezuela? É como se nossa casa estivesse com as paredes caindo e resolvêssemos investir todo nosso patrimônio para aparar a grama do jardim. E, claro, comprando o equipamento errado, caro e desnecessário
.Tudo isso para dizer o seguinte: a lei seca é uma lei equivocada na essência, pois impõe à polícia o dever de ferir a liberdade individual, assim como as diferenças individuais, e pune o perigo em abstrato, enquanto o poder judiciário continua a fechar os olhos para a punição a ser dada a quem realmente provoca danos à vida ou ao patrimônio de outras pessoas. Além disso, é uma lei que destoa de forma gritante da nossa realidade, que esfrega na cara dos cofres deficitários do nosso poder público um total desperdício de nossa força policial, dos recursos do Estado e ainda da nossa paciência. Para piorar: não deixamos de ser vitimas de toda a sorte de crimes e ainda temos o azar de ser vítimas da ignorância política e da fome da indústria de multas.
Gisela Cesario